Ruído
substantivo masculino
- som confuso, indistinto.
- um riff de guitarra, a multidão compelida ao palco, vocais à beira do grito.
- “when I get to the bottom, I go back to the top of the slide, where I stop and I turn and I go for a ride till I get to the bottom and I see you again, yeah, yeah, yeah”.
- à flor da pele.
- a atração irresistível da força centrípeta; o primeiro soco desferido, inaugurando a roda.
- cachos de mar ressacado, sorriso rasgado, pele de verão, risada explosiva; algo em Manuela também exala caos e volume, distorções nos amplificadores; ninguém sai imune de sua contínua rebentação.
- toda essa pose para calar o silêncio ali dentro.
Tranquilidade
substantivo feminino
- sem agitações, inquietações ou alvoroço.
- voz limpa e instrumental previsível; barulho organizado.
- “you thought that I would need a crystal ball to see right through the haze, well, here’s a poke at you, you’re gonna choke on it too, you’re gonna lose that smile because all the while I can see for miles and miles”.
- público espalhado, cabeças balançando suavemente ao som de um violão.
- Pedro é sorrisos e silêncios; quando fala, suas palavras são vento oeste: cálidas, mas trazem a promessa de chuva.
- fones de ouvido sempre presentes.
- o som corria ali dentro.
Caleidoscópio
substantivo masculino
- conjunto de objetos, cores, formas etc. que formam imagens em constante mutação.
- Pedro cai na vida de Manuela numa noite de terça ou quinta; os detalhes se perdem com o tempo.
- ninguém sabe ao certo se é ela quem o derruba ou se é ele quem tropeça nela; “lance normal, segue o jogo”, decreta o treinador.
- da colisão faz-se o caos.
- o choque é mais como uma fusão e seus caminhos se emaranham em um nó.
- o impacto é suficiente para virar tudo do avesso.
Laço
substantivo masculino
- união, vínculo.
- casaco vermelho com um furo no punho esquerdo.
- conversas madrugada adentro; um limbo em que só eles existem.
Queda
substantivo feminino
- movimento de algo a cair; tombo.
- Pedro toca violão, tem uma cachorra e adora as aulas de História; todo mundo sabe disso.
- Pedro assiste à novela das nove, teme ser um monstro por não ter chorado a morte de sua avó e não sabe qual faculdade quer fazer, mas acalenta um princípio de sonho revolucionário; só Manuela sabe disso.
- portas e janelas escancaradas.
- ao tentar aprendê-la, dá de cara com um muro sólido.
Medo
substantivo masculino
- perturbação psicológica diante de ameaça ou perigo, real ou imaginária.
- Manuela não sabe se deixar ser aprendida.
- não é sobre esconder, é sobre reprimir.
- quando ele tenta se afastar, ela não consegue deixá-lo ir.
- será?
Súbito
adjetivo
- que chega de repente; inesperado.
- quarta-feira de Corinthians e Boca Juniors; final de Libertadores; Pacaembu lotado.
- coração na boca no estádio; coração na boca pensando no garoto no estádio.
- é o ano da morte de Kevin Espada e os torcedores dos países vizinhos ainda olham feio para os alvinegros paulistanos.
- os hinchas argentinos nunca foram conhecidos por serem pacíficos.
- fim de jogo.
- página atualizada até a chegada de alguma notícia.
- uma bronca e um sorriso: “você se preocupa”.
- já não cabem mais dúvidas.
- é inesperado, mas não uma surpresa.
Clichê
substantivo masculino
- frase ou ideia banalizada por repetição excessiva; lugar-comum
- velha infância.
- gosto de dia entardecendo sobre o mar.
- cabelos bagunçados pela maresia e o céu mudando de cor e as estrelas aparecendo e um abraço para fugir do frio e bochechas coradas e olhos que demoram para se encontrar, mas que não se desgrudam quando enfim se acham.
Amor
substantivo masculino
- afeto, carinho, ternura, dedicação.
- o sentimento que transborda dele.
- o sentimento que ela guarda atrás de seus muros.
- incapaz de suportar tudo.
Fuga
substantivo feminino
- recurso para evitar uma dificuldade ou uma obrigação.
- silêncio.
- estática.
- sistema binário levando a mensagem do fim de uma tela à outra.
Reticência
substantivo feminino
- omissão voluntária de algo que devia ser dito.
- Manuela dança com fantasmas porque ainda não sabe segurar mãos de carne e osso; talvez um dia aprenda; até lá, segue neste tum-tchá-tchá espectral.
- entra nestas ruínas sagradas com uma chave clandestina e pede perdão pela blasfêmia; pede perdão por todos os seus pecados.
- este é o templo de um pretérito perfeito e todo o seu futuro.
- de saia rodada e pés descalços, canta baixinho para ninguém achá-la aqui, para Pedro não acordar de lá.
- pela terra santa, colhe memórias e planta esperanças.
- um brinde; agridoce, mas um brinde.
Marcela de Gouveia ainda não aprendeu a escrever sem fazer referências musicais ou matemáticas. Detesta escanteio curto, tem ataques de riso em momentos inapropriados e nunca recusou um Toddynho.